No período inicial dos avistamentos modernos de OVNIs a partir de 1945, a ideia de visitação extraterrestre era praticamente inexistente entre o grande público. A primeira hipótese aventada pelo setor militar e pelos órgãos de inteligência de cada país era de que se tratava de uma nova tecnologia desenvolvida por países estrangeiros. Uma concepção natural se considerarmos o contexto do período: final da segunda guerra e advento da guerra fria com seu pano de fundo de espionagem.
O próprio Kenneth Arnold, figura central que precipitou o surgimento da ufologia, pensara em um primeiro momento que os objetos por ele avistados em junho de 1947 decorriam de aeronaves experimentais da Força Aérea americana.
Segundo a pesquisa do historiador Rodolpho Cardoso dos Santos, não foi senão a partir do começo da década de 50 que a hipótese extraterrestre começou a se popularizar nos Estados Unidos e no Brasil, muito devido à influência dos filmes de ficção científica e à difusão das ideias de Donald Keyhoe, um dos pioneiros da ufologia americana. Keyhoe também é um dos responsáveis pelo surgimento das teorias conspiratórias pois, segundo afirmava, a governo americano esforçava-se em abafar os avistamentos de OVNIs, fornecendo explicações simplórias e alternativas para as ocorrências.
Em complemento, Jacques Vallée informa que a argumentação mais convencional vinculada à HET dava conta de que a conjuntura do conflito mundial somado às explosões nucleares precipitou uma intervenção por parte de civilizações extraterrestres que entabularam pesquisas em nosso planeta a fim de avaliarem a raça humana como ameaça potencial.
A partir desse cenário, um delineamento peculiar seria erguido gradualmente em inúmeros países em relação ao posicionamento público diante do fenômeno OVNI. Nos Estados Unidos, por exemplo, os adeptos da recém concebida ufologia afirmavam que a Terra começara a receber visitas de viajantes de outros planetas e, em oposição, um outro círculo de pensadores céticos, principalmente do meio científico, proclamava abertamente o absurdo de tal acepção. Deste último grupo, podemos destacar algumas figuras que, com o peso de seus títulos acadêmicos, ofereciam explicações prosaicas do fenômeno OVNI, tais como o Doutor em Astrofísica Donald Menzel e os físicos Carl Sagan e Edward Condon, pesquisador chefe do controverso estudo sobre OVNIs realizado pela Universidade do Colorado na década de 60. Posteriormente, profissionais de outros meios, como Philip Klass, Robert Sheaffer e Martin Kottmeyer se juntariam formando um numeroso círculo do que se convencionou chamar de “debunkers” ou desmistificadores.
Aludido cenário tornou-se o mais habitual, gerando uma dicotomia entre crédulos e céticos que dificilmente admitia novas ideias, conforme observado por Vallée:
“De um lado, meus colegas da ciência ‘sabem’, ou acreditam que sabem, que o assunto é um total absurdo e que as testemunhas são ou farsantes, ou pobres observadores enganados por alucinações. Quanto aos meus amigos da ufologia, por sua vez, ‘sabem’ com igual força que esses objetos são extraterrestres.”
Uma nova oposição
Na década de 70, um cenário alternativo começou a esboçar-se abrindo margem para novas alternativas à hipótese extraterrestre. Nesse sentido, o ufólogo Belga Jacques Scornaux ressalta que: “Por um longo período, a negação da existência de OVNIs como um fenômeno físico original foi prerrogativa de pessoas fora da comunidade ufológica, a quem os crédulos poderiam legitimamente desafiar por não estarem familiarizados com as pesquisas.”
Contudo, uma oposição muito mais alarmante surgiria nos anos posteriores, dessa vez a refutação da HET se originaria de indivíduos que no passado a defenderam com veemência. Ou seja, pessoas que pertenciam a grupos de pesquisas ufológicas e que resolveram questionar se a hipótese extraterrestre seria realmente necessária para a explicação dos OVNIs.
Conforme dizem esses ufólogos dissidentes, a causa da mudança de opinião adviria do reconhecimento de uma série de falhas ou equívocos primários por parte dos pesquisadores: falta de rigor metodológico, conhecimentos técnicos insuficientes e, principalmente, parcialidade nas investigações. As acusações giravam em torno da ocorrência notória de que alguns pesquisadores, por vezes de modo inconsciente, conduziam as investigações buscando uma confirmação para suas próprias crenças. Abandonando a neutralidade necessária para uma pesquisa séria, os ufólogos costumavam induzir e sugestionar as testemunhas de tal maneira que logravam transformar ocorrências ordinárias em eventos ufológicos.
Scornaux aduz que um movimento dessa espécie teve início em 1977 na França, quando Michel Monnerie, membro do respeitado periódico ufológico Lumières dans la Nuit, ousou publicar seu primeiro livro com um viés cético: “E se os OVNIs não existissem?” Dois anos mais tarde, lançou outra obra com ideias mais contundentes, “O naufrágio dos extraterrestres”.

A Hipótese Psicossocial
Michel Monnerie é considerado em alguns meios como o criador da denominada hipótese psicossocial (HPS) ou sociopsicológica que, em síntese, “postula que todos os chamados avistamentos de OVNIs se originam da percepção de um fenômeno conhecido, natural ou artificial, que não pôde ser identificado corretamente devido às condições de observação e à influência de fatores socioculturais.”
Apesar da hipótese psicossocial invocar a psicologia individual e coletiva, muitos entendem de forma equivocada que a HPS propõe que os relatos de OVNIs são verdadeiras criações delirantes ou alucinações por parte das testemunhas, fato que necessariamente pressupõe graves psicopatologias, o que naturalmente não é o caso da grande maioria das pessoas que alega algum tipo de contato com o fenômeno.
Em outras palavras, a HPS declara que os avistamentos de OVNIs invariavelmente são erros de interpretação de objetos ou fenômenos outrora passíveis de explicações racionais e que dependem das circunstâncias da observação e do conhecimento técnico da testemunha. Na base do equívoco, como fator primordial, haveria ainda questões psicológicas e fatores ideológicos socioculturais. Dessa forma, o indivíduo que se vê diante de um fenômeno que lhe é inexplicável cria uma interpretação arbitrária.
Na realidade a arbitrariedade seria somente aparente pois, em um âmbito individual, ela é determinada por anseios psicológicos e preconcepções culturais, conforme postula a teoria da atribuição de causalidade (TAC).
A Teoria da Atribuição da Causalidade
Segundo o professor Wellington Zangari “A teoria da atribuição pressupõe, de um modo geral, que todo ser humano é motivado a descobrir as causas dos eventos e acontecimentos, de forma a compreender seu ambiente e a si mesmo.”
Seguindo esse raciocínio, o psicólogo Leonardo Martins ensina que “a TAC se apresenta como um somatório de contribuições teóricas de base cognitivista centradas na compreensão dos processos e referenciais culturais pelos quais as pessoas buscam explicar eventos e experiências que compõem seu cotidiano. Os processos de atribuição tendem a incidir sob eventos atípicos, a respeito dos quais o conhecimento prévio não pode fornecer automaticamente explicações satisfatórias. Desse modo, as pessoas agem como “cientistas ingênuos”, buscando nexos causais para as experiências de vida a partir de sua idiossincrasia e da cultura. Assim, as atribuições se nutrem de crenças prévias, ideários difundidos na cultura, emoções, expectativas e outras formas de cognição social”.
Mesmo ufólogos radicalmente crédulos assumem que quase a totalidade das observações de OVNIs são passíveis de explicação, estimando que uma pequena parcela permanece inexplicável e, possivelmente, represente um fenômeno originalmente genuíno. Portanto, ainda que involuntariamente, a HPS sempre foi praticada como um filtro por todos nós. Porém, Scornaux ressalva que o resíduo atualmente inexplicado estaria potencialmente dentro da hipótese psicossocial. Quanto aos casos ufológicos mais complexos como avistamento de seres, marcas no solo e nas testemunhas, trataria somente de um movimento maior no grau de estranheza fenomenológica que, igualmente, geraria interferência na capacidade interpretativa do indivíduo.
A HPS estabelece alguns paradigmas:
1 – A existência de um anseio individual e coletivo no sentido do extraordinário e, obviamente, a hipótese extraterrestre seria mais atraente do que qualquer outra possibilidade mundana.
2 – A observação de OVNIs e até mesmo de humanóides eventualmente envolvem algum tipo de engano com animais ou humanos em situações incomuns, pareidolias, distúrbios do sono, testemunhos de “segunda mão” alterados pela subjetividade humana, entre outras ocorrências.
3 – Supostos traços físicos deixados pelo fenômeno podem ter origem independente sendo vinculados a posteriori, intencionalmente ou não, ao avistamento dos OVNIs.
4 – Contaminação social dos boatos envolvendo ocorrências ufológicas entre pessoas de um mesmo grupo, o que explicaria também o fenômeno das ondas ufológicas com a proliferação das notícias veiculadas pela mídia regional.
5 – Desde os anos 30 a literatura, o cinema e a televisão retratam todos os contextos e detalhes encontrados nos avistamentos de OVNIs.
Sem querer partir para uma espécie de negacionismo, o que denotaria também uma parcialidade prejudicial para qualquer investigação séria, a perspectiva da HPS poderia contribuir para a metodologia da pesquisa ufológica, seja ela decorrente de um fenômeno genuinamente exterior ou estritamente psicossocial. Tentemos nutrir esperanças para que futuramente surjam mais abordagens que sigam essa mesma linha de pesquisa, ainda que represente uma fração minoritária do campo ufológico.
Autor: Leonardo Vaz Rodrigues